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Welington
Almeida Pinto
Imagem da Internet
Cinco da tarde de uma terça-feira ensolarada
de abril. A mulher chega ao consultório do terapeuta e se apresenta à
secretária. Deixa com a moça um cheque do pagamento da seção semanal e, em
seguida, é encaminhada até a sala do analista.
O profissional, com meio sorriso nos lábios e
o olhar ofuscado pelos óculos redondos, esperava pela cliente sentado na sua
poltrona. Cumprimentam-se com aperto de mãos. Ela logo se acomoda no divã à
esquerda, retendo o sorriso.
- Tudo bem? – pergunta ele, secamente.
- Acho sim, mas ainda durmo muito mal à
noite. No decorrer do dia, às vezes, me vem uma sonolência quase incontrolável.
Vez ou outra uma tonteira..., lapso de memória, náuseas, sudorese, astenia.
Coisas assim.
- Vai passar. O medicamento que te
passei é muito eficiente.
- Li a bula.
- Não devia. Bula de remédio não é para ser
lida, muito menos por leigos. Quem lê não toma nem aspirinas.
- É.
- Intervenções comportamentais são previstas.
Posso dizer que reações adversas são imprevisíveis, mas estamos atentos. Fique
tranquila. Em um pouco mais de tempo os sintomas vão passar.
- Completamos três meses de tratamento, não
é?
- Sim.
- Falei com uma amiga que estou fazendo
terapia. Ela gozou minha cara, dizendo que é isso é para madame mal amada,
patricinhas enlouquecidas ou homens com sexualidade enrustida.
O terapeuta fecha o sorriso. Retira os óculos
e torna a pô-los de novo no rosto:
- E você?
- Não gostei. Achei um desrespeito.
- É.
- Doente. Sua amiga precisa de tratamento,
não é mesmo?
- Talvez.
- Não gostei mesmo.
- Pois é...
A mulher reabre o sorriso para o
psicanalista, consumindo um ar de esperança. Começa a falar de seus
descontroles emocionais..., ódios reprimidos..., angústias. Por fim, coloca:
- Tem um sujeito aí interessado em mim.
- É.
- Conheci semana passada.
- É.
- Diz que é poeta.
- É.
- No principio, achei o cara meio arrogante.
Depois que conversamos pelo telefone vi que não era.
- Bom.
- Despertou alguma coisa em você?
- Não sei.
- Despertou?
- Não estou pronta. Acho que ainda sou leal
ao ex.
- É?
- Sou.
- Sei como é.
- Sabe?
- Quer falar mais?
- Ele é menor de tamanho. Seu corpo tem
quatro centímetros menos do que eu.
- É.
- Sim. Mais baixo.
- Também sou mais baixo do que minha esposa.
E nos damos muito bem.
- Ã-hã
- Conversaram mais depois disso?
- Sim. Parece ser muito carinhoso.
- Parece?
- Falou coisas que gostei. Adorou meu
sorriso, disse que sou uma princesa.
Risos. O terapeuta:
- Princesa?
- Sim, sim. Disse coisas bonitas a respeito
de meus olhos.
- Bom.
- Sábado passado me convenceu a sair com ele.
- É.
- Fomos a um bar. Depois de um longo papo
amistoso, ele me beijou de forma que não gostei.
- É.
- Assim, cutucando. Não gosto.
- Hum?
- Aí, aí ensinei a ele como beijar de forma
mais carinhosa.
- Sei.
- Admitiu que nunca foi beijado daquele
jeito.
- Ótimo.
- Depois me ligou para sair, novamente.
- Bom.
- Mas...
- Um namorado pode ser bom.
- Ajuda no meu tratamento?
- Quem sabe...
O terapeuta confere o relógio. Tira da gaveta
mais uma cartela de amostra grátis do antidepressivo e, como sempre, passa à
paciente.
- Está tomando direitinho?
- Ã-hã.
- Cloridrato de venlafaxina vai fazer bem para você. Muito
bem.
Ela pega a bolsa, põe a caixa dentro, sorri
agradecida e levanta-se para deixar a sala. O profissional de pé aperta a mão
da paciente.
- Tenha um bom dia.
- Obrigada.
- A secretária já está com o recibo pronto, é
só pegar – lembra o terapeuta.
- Obrigada. Até quinta.
- Ao sair, feche a porta de novo, por favor.
* Nota de pé: Os homens, raramente, procuram a verdade por si mesmos. Sempre tem um motivo secreto em seus esforços, alguns para se satisfazer ou alguma cobiça a sustentar. Éliphas Lévi
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