sexta-feira, 1 de junho de 2012

* POIS É... O PESO DO DIVÃ

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Welington Almeida Pinto
 
Imagem da Internet
 

Cinco da tarde de uma terça-feira ensolarada de abril. A mulher chega ao consultório do terapeuta e se apresenta à secretária. Deixa com a moça um cheque do pagamento da seção semanal e, em seguida, é encaminhada até a sala do analista.

O profissional, com meio sorriso nos lábios e o olhar ofuscado pelos óculos redondos, esperava pela cliente sentado na sua poltrona. Cumprimentam-se com aperto de mãos. Ela logo se acomoda no divã à esquerda, retendo o sorriso.

- Tudo bem? – pergunta ele, secamente.

- Acho sim, mas ainda durmo muito mal à noite. No decorrer do dia, às vezes, me vem uma sonolência quase incontrolável. Vez ou outra uma tonteira..., lapso de memória, náuseas, sudorese, astenia. Coisas assim.

- Vai passar. O medicamento que te passei  é muito eficiente.

- Li a bula.

- Não devia. Bula de remédio não é para ser lida, muito menos por leigos. Quem lê não toma nem aspirinas.

- É.

- Intervenções comportamentais são previstas. Posso dizer que reações adversas são imprevisíveis, mas estamos atentos. Fique tranquila. Em um pouco mais de tempo os sintomas vão passar.

- Completamos três meses de tratamento, não é?

- Sim.

- Falei com uma amiga que estou fazendo terapia. Ela gozou minha cara, dizendo que é isso é para madame mal amada, patricinhas enlouquecidas ou homens com sexualidade enrustida.

O terapeuta fecha o sorriso. Retira os óculos e torna a pô-los de novo no rosto:

 - E você?

- Não gostei. Achei um desrespeito.

- É.

- Doente. Sua amiga precisa de tratamento, não é mesmo?

- Talvez.

- Não gostei mesmo.

- Pois é...

A mulher reabre o sorriso para o psicanalista, consumindo um ar de esperança. Começa a falar de seus descontroles emocionais..., ódios reprimidos..., angústias. Por fim, coloca:

- Tem um sujeito aí interessado em mim.

- É.

- Conheci semana passada.

- É.

- Diz que é poeta.

- É.

- No principio, achei o cara meio arrogante. Depois que conversamos pelo telefone vi que não era.

- Bom.

- Despertou alguma coisa em você?

- Não sei.

- Despertou?

- Não estou pronta. Acho que ainda sou leal ao ex.

- É?

- Sou.

- Sei como é.

- Sabe?

- Quer falar mais?

- Ele é menor de tamanho. Seu corpo tem quatro centímetros menos do que eu.

- É.

- Sim. Mais baixo.

- Também sou mais baixo do que minha esposa. E nos damos muito bem.

- Ã-hã

- Conversaram mais depois disso?

- Sim. Parece ser muito carinhoso.

- Parece?

- Falou coisas que gostei. Adorou meu sorriso, disse que sou uma princesa.

Risos. O terapeuta:

 - Princesa?

- Sim, sim. Disse coisas bonitas a respeito de meus olhos.

- Bom.

- Sábado passado me convenceu a sair com ele.

- É.

- Fomos a um bar. Depois de um longo papo amistoso, ele me beijou de forma que não gostei.

- É.

- Assim, cutucando. Não gosto.

- Hum?

- Aí, aí ensinei a ele como beijar de forma mais carinhosa.

- Sei.

- Admitiu que nunca foi beijado daquele jeito.

- Ótimo.

- Depois me ligou para sair, novamente.

- Bom.

- Mas...

- Um namorado pode ser bom.

- Ajuda no meu tratamento?

- Quem sabe...

O terapeuta confere o relógio. Tira da gaveta mais uma cartela de amostra grátis do antidepressivo e, como sempre, passa à paciente.

- Está tomando direitinho?

- Ã-hã.

- Cloridrato de venlafaxina vai fazer bem para você. Muito bem.

Ela pega a bolsa, põe a caixa dentro, sorri agradecida e levanta-se para deixar a sala. O profissional de pé aperta a mão da paciente.

- Tenha um bom dia.

- Obrigada.

- A secretária já está com o recibo pronto, é só pegar – lembra o terapeuta.

- Obrigada. Até quinta.

- Ao sair, feche a porta de novo, por favor.


*  Nota de pé: Os homens, raramente, procuram a verdade por si mesmos. Sempre tem um motivo secreto em seus esforços, alguns para se satisfazer ou alguma cobiça a sustentar. Éliphas Lévi

** FBN© 2007 - POIS É... O PESO DO DIVÃ - Autor: Welington Almeida Pinto - Categoria: conto – Texto original: Português - Iustr.: Internet - Link:  http://fantasticorealismo.blogspot.com.br/2012/06/blog-post_8721.html - obra de ficção,  qualquer semelhança com pessoas, fatos ou situações reais, terá sido mera coincidência.

 

 

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