Às 14h do dia 1º de Janeiro de
2011, na sede do Congresso Nacional, Dilma Rousseff tomou posse como 36.ª
presidente da República Federativa do Brasil. Na cerimônia, como
primeira representante do gênero feminino no cargo, fez questão de cunhar no
seu discurso o termo Presidenta, como se quisesse reforçar o fato inédito no
país: uma mulher como chefe da pátria.
A expressão saída da boca de Dilma
surpreendeu, como uma bomba, a cabeça dos falantes da língua portuguesa.
Linguistas incomodados entraram em parafuso, atônitos. Não é correto trocar o
termo certo pelo errado, tanto aqui como em Portugal, ou em qualquer nação que
usa o idioma latino.
Depois de ouvir a encafifante
palavra pela TV, não deu outra, fui dormir intrigado, pensando em elucidar no
dia seguinte tudo com ajuda do santíssimo dicionário de Caldas Aulete. Minha
sorte é que, logo que deitei para dormir cai nos braços de Morfeu, deus grego dos sonhos.
Durante o sono, quem me aparece? Nada menos, nada mais do que o
espectro do professor Aires da Mata Machado, um dos maiores e mais respeitados filólogos
do Brasil.
No sonho estávamos sentados um
frente para o outro na sala de meu apartamento, descontraidamente. Ele, como
antes de partir para o além, risonho e simpático, olhava para mim como se
soubesse pelos filhos de Hipnos,
Ícelo e Fantaso, o fato que me intrigava tanto no sentido gramatical.
Enfim, sumidade no Brasil sobre
questões gramaticais, estava ali para esclarecer e acabar de vez com confusão
léxica que pegou muita gente boa de surpresa mundo afora. Sem se fazer de
rogado, foi logo clareando:
- Em minha opinião, essa polêmica
com a Dilma Presidenta seria um aspecto tangente e circunstancial de sua
vitória nas urnas.
- Então ela está certa? – perguntei.
- Não, claro que não – adverte o
professor. - Apesar querer supervalorizar a posição da mulher na política, a
palavra presidenta nunca existiu.
- Claro.
- Historicamente, em 1885, nossa
língua teve que se curvar a uma mulher impar, a pioneira e transgressora
Chiquinha Gonzaga, que passou a reger uma orquestra sinfônica, quebrando um
tabu. Os jornais tiveram alguma dificuldade em noticiar o fato porque não havia
o feminino de Maestro. Diante do fato, o termo Maestrina foi criado e inserido
em nossa língua. Entendeu?
- Caramba!
- Portanto, não vai ser agora que a
palavra Presidenta será dicionarizada por ordem de uma Presidente da República
do Brasil. Não tem o menor cabimento.
- Não?
- Claaaaro que não. Pergunte a ela
se foi estudanta quando estudava?
- Vai responder que não,
obviamente.
- Meu filho, na língua portuguesa
os particípios ativos existem como derivados verbais. Esqueceu?
- Bem, bem...
- O particípio ativo do verbo
atacar é atacante. De cantar é cantante. O de existir é existente. E por aí
vai.
E com ares de astúcia Aires completa:
- Quando indicamos alguém com
capacidade para exercer a ação que expressa um verbo, adiciona-se à raiz verbal
os sufixos ante, ente ou inte. Entendeu?
- Entendi.
- Portanto, à pessoa que preside o cargo maior da república
é Presidente. E não presidenta, independentemente do gênero.
- Sim, professor.
- Colocação apropriada é dizer capela ardente, e não capela ardenta. Estudante, e não estudanta. Adolescente, e não adolescenta. Paciente, e não pacienta.
Ficou claro?
- Totalmente.
- Veja bem, nada soaria pior do que uma frase escrita assim:
... ‘A presidenta se comporta como uma adolescenta
pouco pacienta, que imagina ter
se tornado eleganta para ser
nomeada representanta do Brasil em Gaia’.
Risos. O professor leva o dedo indicador à testa e conclui
com mais humor:
- Esperamos vê-la algum dia ‘sorridenta numa capela ardenta,
pois esta dirigenta política,
dentre tantas outras suas atitudes barbarizentas, não tem o direito de
violentar o pobre português, só para ficar contenta’.
- Obrigado, professor. Valeu.
- Bem, rapaz, está na hora. Vou-me já.
- Hein?
- Desculpe-me a cacofonia.
- Claro. Claro.
- Penso que é necessário descer para o solo esse terrível
desapreço com nosso rico português, não é mesmo?
Antes que eu pudesse responder, todo serelepe, despede o
espectro airesnino:
- Ademã, porque
cavalo não desce escada..., o velho Ibraim Sued me aguarda para nossa prosinha
semanal.
Salve, salve Aires!
* Nota: Aires da Mata Machado foi professor de
gramática portuguesa em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.
** FBN© - 2013 – PRESIDENTE OU PRESIDENTA?
EIS A QUESTÃO - Categoria: Conto/Realismo Mágico. Autor: Welington Almeida
Pinto - Texto original em português: http://www.wattpad.com/19829586-presidente-ou-presidenta-eis-a-quest%C3%A3o -
Ilustr.: imagem da Internet - Link: http://fantasticorealismo.blogspot.com.br/2012/06/blog-post_2958.html
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