sexta-feira, 1 de junho de 2012

* PRESIDENTE OU PRESIDENTA? EIS A QUESTÃO.

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Welington Almeida Pinto
 
 

 
Às 14h do dia 1º de Janeiro de 2011, na sede do Congresso Nacional, Dilma Rousseff tomou posse como 36.ª presidente da República Federativa do Brasil. Na cerimônia, como primeira representante do gênero feminino no cargo, fez questão de cunhar no seu discurso o termo Presidenta, como se quisesse reforçar o fato inédito no país: uma mulher como chefe da pátria.

A expressão saída da boca de Dilma surpreendeu, como uma bomba, a cabeça dos falantes da língua portuguesa. Linguistas incomodados entraram em parafuso, atônitos. Não é correto trocar o termo certo pelo errado, tanto aqui como em Portugal, ou em qualquer nação que usa o idioma latino.

Depois de ouvir a encafifante palavra pela TV, não deu outra, fui dormir intrigado, pensando em elucidar no dia seguinte tudo com ajuda do santíssimo dicionário de Caldas Aulete. Minha sorte é que, logo que deitei para dormir cai nos braços de Morfeu, deus grego dos sonhos.

Durante o sono, quem me aparece? Nada menos, nada mais do que o espectro do professor Aires da Mata Machado, um dos maiores e mais respeitados filólogos do Brasil.

No sonho estávamos sentados um frente para o outro na sala de meu apartamento, descontraidamente. Ele, como antes de partir para o além, risonho e simpático, olhava para mim como se soubesse pelos filhos de Hipnos, Ícelo e Fantaso, o fato que me intrigava tanto no sentido gramatical.

Enfim, sumidade no Brasil sobre questões gramaticais, estava ali para esclarecer e acabar de vez com confusão léxica que pegou muita gente boa de surpresa mundo afora. Sem se fazer de rogado, foi logo clareando:

- Em minha opinião, essa polêmica com a Dilma Presidenta seria um aspecto tangente e circunstancial de sua vitória nas urnas.

- Então ela está certa? – perguntei.

- Não, claro que não – adverte o professor. - Apesar querer supervalorizar a posição da mulher na política, a palavra presidenta nunca existiu.

- Claro.

- Historicamente, em 1885, nossa língua teve que se curvar a uma mulher impar, a pioneira e transgressora Chiquinha Gonzaga, que passou a reger uma orquestra sinfônica, quebrando um tabu. Os jornais tiveram alguma dificuldade em noticiar o fato porque não havia o feminino de Maestro. Diante do fato, o termo Maestrina foi criado e inserido em nossa língua. Entendeu?

- Caramba!

- Portanto, não vai ser agora que a palavra Presidenta será dicionarizada por ordem de uma Presidente da República do Brasil. Não tem o menor cabimento.

- Não?

- Claaaaro que não. Pergunte a ela se foi estudanta quando estudava?

- Vai responder que não, obviamente.

- Meu filho, na língua portuguesa os particípios ativos existem como derivados verbais. Esqueceu?

- Bem, bem...

- O particípio ativo do verbo atacar é atacante. De cantar é cantante. O de existir é existente. E por aí vai.

E com ares de astúcia Aires completa:

- Quando indicamos alguém com capacidade para exercer a ação que expressa um verbo, adiciona-se à raiz verbal os sufixos ante, ente ou inte. Entendeu?

- Entendi.

- Portanto, à pessoa que preside o cargo maior da república é Presidente. E não presidenta, independentemente do gênero.

- Sim, professor.

- Colocação apropriada é dizer capela ardente, e não capela ardenta. Estudante, e não estudanta. Adolescente, e não adolescenta. Paciente, e não pacienta. Ficou claro?

- Totalmente.

- Veja bem, nada soaria pior do que uma frase escrita assim: ... ‘A presidenta se comporta como uma adolescenta pouco pacienta, que imagina ter se tornado eleganta para ser nomeada representanta do Brasil em Gaia’.

Risos. O professor leva o dedo indicador à testa e conclui com mais humor:

- Esperamos vê-la algum dia ‘sorridenta numa capela ardenta, pois esta dirigenta política, dentre tantas outras suas atitudes barbarizentas, não tem o direito de violentar o pobre português, só para ficar contenta’.

- Obrigado, professor. Valeu.

- Bem, rapaz, está na hora. Vou-me já.

- Hein?

- Desculpe-me a cacofonia.

- Claro. Claro.

- Penso que é necessário descer para o solo esse terrível desapreço com nosso rico português, não é mesmo?

Antes que eu pudesse responder, todo serelepe, despede o espectro airesnino:

- Ademã, porque cavalo não desce escada..., o velho Ibraim Sued me aguarda para nossa prosinha semanal.

Salve, salve Aires!

 

           

 

*  Nota: Aires da Mata Machado foi professor de gramática portuguesa em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.

           

**  FBN© - 2013 – PRESIDENTE OU PRESIDENTA? EIS A QUESTÃO - Categoria: Conto/Realismo Mágico. Autor: Welington Almeida Pinto - Texto original em português: http://www.wattpad.com/19829586-presidente-ou-presidenta-eis-a-quest%C3%A3o - Ilustr.: imagem da Internet - Link: http://fantasticorealismo.blogspot.com.br/2012/06/blog-post_2958.html 

 
 
 
 

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