*
Suzana em tom irritado:
- Não suporto mais o seu
amigo, Math. É o demônio em si.
- Putz!
- Quer saber, meu casamento
foi um engodo.
- Engodo?!...
- Por que o espanto?
- Escute aqui, criatura, discussões
são inevitáveis. Todo casamento tem altos e baixos..., tem lá suas briguinhas,
batalha de egos. Logo passa e tudo volta como antes, vai por mim.
- Passa não. Chega!
- Dê tempo ao tempo. Nada
como o tempo para aparar arestas, rusgas entre marido e mulher - afiança
Mathieu numa voz serena.
- Ora, Math, nada melhor do
que tempo para tornar um relacionamento amoroso cada vez mais insuportável!...
- Também.
Suzana enrijece as faces,
baixa os olhos:
- Vou me separar do José
Renato, não vejo outra saída.
- Pegadinha, ‘né?
- Não é não, resolvi terminar
tudo de uma vez. Poxa, nada mais encaixa entre a gente!
- Nada?
- Nada. Há alguns anos nosso
casamento anda por um fio, cambaleando em corda bamba. Agora, degringolou de vez.
Mathieu muda de posição na
poltrona e, de um gole, toma o resto de cerveja no copo.
-
Mulher, escuta. Olhe que o Zé...
-
Não quero saber mais dele. Passou da hora de tirar meu time de campo.
- Loucura de sua parte.
- Não vejo outra saída. Acabou.
- Ô, querida, viver a dois é um
exercício de paciência. Tenta manter a
calma, tudo se revolve.
- Resolve nada, dura além da
conta. Estou sem chão dentro de minha própria casa, que fede que nem o inferno.
Você não sabe. Você não tem ideia. Um nojo!...
- Difícil de acreditar no que
está dizendo - solta Mathieu, deixando transparecer seu espanto.
-
Não suporto mais representar diante de todos. Chegou a hora de dar um basta
nessa maluquice de querer provar o meu valor a quem não merece. A ficha caiu. Agora,
vou cuidar de mim.
-
Caracas!
- Pena
que descobri isso tão tarde. Ai, que ódio!...
-
Lamento.
- Perdi
bom tempo de minha vida na busca do reconhecimento de um esposo egocêntrica, grosso,
insensível...
-
Compreendo.
- Na
verdade, Math, se não pudermos mudar as pessoas, temos que mudar a maneira de
lidar com elas. Mais fácil assim.
-
Talvez.
- É
sim.
-
Então não tem jeito, quer mesmo se separar de seu marido?
Com a expressão franzida,
Suzana:
- Sim, sim. Vivo o próprio
pesadelo de Kafka, abotoada por dentro e por fora, num beco sem saída. Tudo na
memória, retratando. Não dá mais para segurar essa barra, tudo tem limites, não
é mesmo?
- Caracas!...
- Há muito meu casamento agoniza
na UTI.
O rapaz balança a cabeça,
apaga a ponta do cigarro no cinzeiro sobre a mesinha no centro da sala de
visitas e, num gesto de otimismo, pondera:
- Ainda torço para que sejam
briguinhas domésticas. A chama do amor vai logo reacender, pode crer.
- Não se faça de ingênuo.
Dessa vez é sério, quadro irreversível.
- Sem volta mesmo?
- Missão cumprida. Não tenho
um átimo de dúvidas sobre o meu futuro de mulher separada.
- É.
- Na verdade, gostaria de
estar apaixonada e feliz. Seu amigo não entendeu e interrompeu a saúde de nossa
união. Portanto...
- É.
Pausa. Depois de refletir por
um minuto, Suzana em tom filosofal:
- Culpada é a vida que
respira entre o prazer e a angústia, entre a tristeza e a alegria, o ser e o
não ser. Que respira entre o amar e o
não amar, entre a diferença do claro e do escuro... Incompatibilidades
inconciliáveis entre coração e razão. Capiche?
- Entendo. Entendo.
- Ainda bem.
- Mude, mas comece devagar porque a direção é mais
importante que a velocidade. Ensina Clarice Linspector.
- Claro, claro.
Madrugada sem ruído nenhum na
Avenida Afonso Pena. Apenas o sibilo do vento fresco que invadia a sala pela
janela, acariciando as flores e as folhas nos vasos.
FBN©
- 2013 – FIM DE UMA HISTÓRIA DE AMOR - trecho recontextualizado capítulo 5º/V (‘Vidas
Amargas’) do livro ‘Numa Noite em 68’ - Categoria: Conto/Realismo Mágico. Autor:
Welington Almeida Pinto. Texto original em Portugês: http://www.wattpad.com/20727810-fim-de-uma-de-uma-hist%C3%B3ria-de-amor
- Ilustr.: foto da Internet – Link.: http://fantasticorealismo.blogspot.com.br/2012/06/blog-post_1526.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário