*
João de Guimarães Rosa
- Dormindo ainda,
Joãozito.
- Estava.
- Pois então,
levante logo. O café já está na mesa. No mais, eu e seu pai já estamos quase
prontos para a viagem.
- Uai, seu
Florduardo Pinto resolveu ir?
- Sua irmã também.
- Vou já.
- Então arruma
logo. Você quem vai guiando o Fordinho, ouviu?
- Eba!
Depois de um banho
para despertar bem os olhos, João Guimarães senta-se à mesa de café.
- Cadê o pai?
- Acabando de
ajeitar os maços de flores no carro. Colheu tudo que podia no jardim e no
quintal para enfeitar os túmulos da família em Cordisburgo e Curvelo. Sabe como
ele é.
- Claro.
Pausa. Dona
Francisca:
- Não precisa se
afobar. Mas, é melhor sair cedo para gente não pegar chuva na estrada. Todo
finado chove, não é mesmo?
O rapaz levanta os
olhos para a janela da cozinha, caçoando:
- Com esse carão
fechado, o céu anda mesmo para lacrimejar a qualquer momento. Chuva na estrada
é atoleiro certo, retarda o tempo.
- Mesmo assim,
quero ver a prima Eliza em Sete Lagoas. Fiz para ela uma forma de broa de fubá.
Eliza gosta de mais da minha receita.
- Sim, senhora.
- Como no trecho está
Araçaí, eu levo para a Geraldina também. A comadre deve estar ainda bastante
inconformada com a morte do menino perto de fazer 16 anos. É o primeiro ano que
visita o filho no cemitério. Só Deus quem sabe o que ela passou!
- Qual a causa da
morte, mãe?
- Desde pequeno sofria de sopro no
coração. No início do ano, morreu assim de repente. O órgão parou. Ai, que
pena!
- Acontece.
- Fazer o quê? Conformar. Deus quis assim, ‘né?
- Não sei. Mas sei que cada instante em
que a gente vive, pode ser o instante da morte.
- Nosso Pai Eterno sabe o que faz. Às vezes
escreve certo por linhas tortas.
- Às vezes ele dá um cochilo.
- Vire essa boca para lá, Joãzito. Temos
é que rezar muito. Muito, filho. Creio em Deus, Pai todo poderoso, criador do
Céu e da Terra.
Pausa. Depois de
engolir o último gole de café, Joãozito fala em tom de brincadeira:
- Mãe, a gente
morre é para provar que viveu. Melhor dizendo, a gente não morre, se encanta.
Com um risinho
meio acanhado, a mãe:
- Ai, meu filho, nem sempre consigo
entender bem o que fala. Mas eu compreendo. Podemos ir?
- Guimarães Rosa
levanta-se de cadeira de um pulo. Beija a testa de dona Francisco
carinhosamente, enquanto ela apertava de leve um de seus braços.
- Vamos, filho. Visitar túmulos nesse
dia é pagar, com efeito, um compromisso feito a nossos familiares passados,
lembrar-se daqueles que o coração não esquece. Sempre foi assim, filho. É lei
divina.
- Então passa da
hora de encarar a velha estradinha.
- Sim, sim. Pegue logo suas coisas que Florduardo
está que resmunga lá fora.
* Nota: em Belo
Horizonte, o escritor João Guimarães Rosa morava na rua Leopoldina, 415. Fordinho era cognome
do automóvel Ford T.
** FBN© - 2012 – FINADOS ROSEANO - Categoria:
Conto/Realismo Mágico. Autor: Welington Almeida Pinto –
www.fantasticorealismo.blogspot.com Link: http://fantasticorealismo.blogspot.com.br/2012/06/blog-post_4984.html
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