sexta-feira, 1 de junho de 2012

* PRÓLOGO

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O realismo fantástico na literatura e sua manifestação na América Latina

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Enviado por: clairtonlopes


Grosso modo, o chamado Realismo Fantástico (ou “mágico”, ou ainda “maravilhoso”) latino-americano corresponde ao boom, hoje catalogado, refletido e até recusado, que a literatura dessa região viveu no começo da segunda metade do século XX. Muito embora a maioria de seus autores já tenha morrido, alguns ainda produzem ativamente, o que dificulta um pouco a periodização. O movimento, porém, começou a ser questionado na última década do final do século passado e hoje, no mais das vezes, parece ter caído em descrédito, e recebe críticas tão animadas e violentas quanto imaturas de novos autores, interessados na verdade em ocupar o espaço que seria antes de nomes como Alejo Carpentiei Jorge Luis Borges, J. M. Arguedas e Julio Cortázar, entre outros.
Como toda classificação, essa também é artificial e reúne autores muito díspares e características bastante diferentes. Creio, porém, que melhor do que criticar com intenções demolidoras os escritores que teriam feito parte do grupo, de resto quase sempre brilhantes, talvez seja mais produtivo observar a especificidade dos conceitos e, em uma operação criativa de reflexão, repor os lugares para tentar estimar o que pode ser interessante em um conjunto de livros que, de um jeito ou de outro, chamou atenção do mundo inteiro.
Minha pretensão é apenas fazer um esboço de ensaio. Muito resumidamente, portanto, listo algumas das principais características do Realismo Fantástico latino-americano, tais como foram estimadas pela crítica: a) distorção do tempo cronológico, fazendo-o ir e vir, obedecendo mais a critérios cíclicos do que lineares; b) eventos mágicos, sobrenaturais ou no mínimo bastante estranhos terminam descritos com naturalidade, como se fizessem parte do cotidiano; c) utilização de personagens exóticas, desterritorializadas ou em situação de fragilidade, o que combina com a intenção política que parte grande desses autores assumiu; d) adoção de espaços geográficos muitas vezes afastados dos grandes centros urbanos.
Em primeiro lugar, vale ressaltar que o conceito de literatura fantástica é antigo e aparece já bem antes do chamado boom. Guy de Maupassant, por exemplo, seria um típico autor fantástico (sem trocadilho), bem como Edgar Alan Poe. Até Franz Kafka já recebeu o qualificativo, muito embora sua fortuna crítica, secundada por nomes como T. Adorno e Walter Benjamin tenha afastado-o dessa escola. A conclusão é que o conceito nunca foi muito bem resolvido e, talvez, sua utilização revele mais questões ideológicas do que propriamente um mero uso de ferramenta de análise crítica. Mesmo elas, no fundo, não são apenas técnicas.
Minha hipótese é a de que o chamado Realismo Fantástico nada mais é do que a leitura particular (e, portanto, muito variável conforme a realidade do autor) da alta modernidade literária que vinha se desenvolvendo um pouco antes na Europa e nos Estados Unidos. O conceito de tempo, por exemplo, já tinha perdido o aspecto linear na obra de Virgínia Woolf (enfim, exatamente linear ele quase nunca foi na arte em geral...), que o torna bastante elástico, por exemplo, em Orlando. William Faulkner também já tinha abolido qualquer noção cronológica, sem deixar margem, porém, para que alguém o lesse como “mágico”, imagina só...
Acontecimentos estranhos que se tornam banais e são descritos com muita naturalidade estão no centro da obra de Franz Kafka. Uma autora como Flanery O’Connor, ainda, também os adota com toda tranqüilidade. O próprio Samuel Beckett, no imediato pós-guerra, usa quase que exclusivamente situações bizarras para compor suas tramas. Com exceção do caso de Kafka, aqui também ninguém levou a sério a idéia de qualificar esses autores de “literatura fantástica”.
Esses mesmos nomes servem de ilustração para a disposição dos autores do alto Modernismo em utilizar personagens exóticas e maneiras muito particulares de se expressar. Vale lembrar que parte grande dos recursos utilizados por Guimarães Rosa, por exemplo, já estão no projeto literário de James Joyce. E normal e isso não reduz em nada a maestria do brasileiro Ao contrário, demonstra seu grau de consciência estética.
A escolha de espaços geográficos diferentes dos centros urbanos é o que mais diferencia o “Realismo Fantástico” latino-americano dos grandes autores do Modernismo europeu. De fato, James Joyce, Virgínia Woolf e Marcel Proust são escritores que envolvem parte grande de suas tramas nas cidades maiores. Ainda assim, houve um desdobramento da modernidade em espaços ficcionais mais afastados.
“O Realismo Fantástico” na América Latina estão nos grandes escritores da primeira metade do século XX. García Márquez, Arguedas e todos os outros são unicamente a manifestação local da modernidade que começou na Europa e se desdobrou nos Estados Unidos, na América Latina, na Rússia, com um pouco de relativização, e hoje, curiosamente, ainda é praticada em algumas outras regiões, como por exemplo, na África de língua portuguesa.
Se não há diferença, porém, por que então o termo continua, é verdade que com mais reservas, sendo levado a sério? Creio tratar-se mais de um defeito da crítica do que propriamente de algo que diga respeito ao projeto dos autores. Na América Latina (incluindo direitinho o Brasil), a crítica costuma ressaltar exclusivamente o que os autores trariam de local, ou regional ou, a palavra varia mas o conceito é o mesmo, nacional. Nenhum problema, a princípio, quanto a isso: todos os escritores manifestam uma questão que pode, e deve ser observada a partir de um lugar bem definido.
No entanto, a ênfase nesse aspecto é tão grande que a tradição literária, vista como algo bem mais amplo, fica de lado. E como se os nossos melhores escritores nem lessem nada e muito menos produzissem respostas conseqüentes às melhores obras que os antecederam. Alguns autores notáveis, caso de García Márquez, são simplesmente desvalorizados enquanto outros, como Guimarães Rosa, são lidos segundo uma espécie de chavão que serve para tudo e, portanto, não diz nada: “regionalismo universal”...  Mesmo que tendo evidentes conexões com a história brasileira, Rosa está dialogando diretamente com James Joyce. Nós e toda a América Latina podemos nos colocar nos nossos momentos mais altos, ao lado da melhor literatura do século XX.
Autores como ele e Jorge Luis Borges (outro que teve o desagradável azar de abrir a boca para falar bobagem durante a velhice) talvez tenham cometido alguns erros de análise política. Ainda assim, ambos são revolucionários porque trouxeram o que havia de melhor para uma realidade no mais das vezes atrasada — atitude típica de um pensamento de esquerda. E, junto com outros, moldaram uma literatura que trazia, de frente, todas as grandes questões estéticas e ideológicas para o nosso continente enquanto produziam obras que sustentam comparações, sem se diminuir, com James Joyce, Virgínia Woolf, Franz Kafka e William Faulkner, demonstrando que podíamos ser atrasados em muita coisa, mas em literatura é que não éramos, muito embora talvez tenhamos ficado.

* O AZUL NO AZUL DO JEANS

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  Internet


 

SENTADOS num banco da Praça da Liberdade, Karina olha com mais intimidade para o rapaz que conheceu horas antes:

  - Pelo jeito é um frequentador assíduo dessa praça?

   - Sempre que posso depois do expediente. Trabalho aqui perto.

  - Muito bonita.

- E você?

- A segunda vez. Verde bem cuidado me atrai.

Luis Antônio sorri.

-  Como disse, venho amiúde. Gosto de um banco sombreado, onde pratico meu SPA mental. Nele a gente pode sentar, apreciar a natureza e as pessoas passeando, não é mesmo?

- Sempre de terno e gravata?

- De segunda à sexta-feira. Fins de semana, eu troco o terno por calças jeans e camisa polo – revela o rapaz, com um risinho satisfeito nas faces.

- Também adoro jeans.

 - Mais um acerto do Tio San no guarda-roupa da juventude, não é mesmo? Liberdade, principalmente, para arrumar uma namorada.

- Acha?

O rapaz, depois de um suspiro demorado:

- Deve ficar uma gata de calças jeans, camiseta branca e rabo-de-cavalo..., acentua o encanto de sua feminilidade.

Risos. Karina olhando nos olhos do rapaz:

- Uai, tem aí uma bola de cristal?

- Duas. E uma lanterna mágica.

- Olha, só!...

Luiz toma uma de suas mãos a acaricia. Ela fecha os olhos e sonha notava-se grande animação em seu rosto. O moço abre mais o sorriso e fica de pé, inclina-se para a frente. A moça, de súbito, salta-lhe sobre as costas. O rapaz levanta os dois braços e sai a galope pela praça. Em voz alta declamava o poema Adalgisa, de Drummond, que aprendera com a mãe ainda garoto.

A moça ri às gargalhadas. Aperta o peito de Antônio e admira as suas pernas na tensão máxima de todas as suas forças. Fecha novamente os olhos e, devota, retoma o sonho de liberdade que a jovialidade oferecia.

 

 

* FBN© - 2012 – O Azul no Azul do Jeans - Categoria: Conto/Realismo Mágico. Autor: Welington Almeida Pinto. Iustr.: Cavalo Humano – www.fantasticorealismo.blogspot.com  Link: http://fantasticorealismo.blogspot.com.br/2012/06/o-azul-no-azul-do-jeans_01.html 

FINADOS ROSEANO

*

João de Guimarães Rosa
 


           
            Dois de novembro, 1928. Pouco mais das seis da manhã, dona Maria Francisca bate à porta do quarto do filho.

         - Dormindo ainda, Joãozito.

         - Estava.

         - Pois então, levante logo. O café já está na mesa. No mais, eu e seu pai já estamos quase prontos para a viagem.

         - Uai, seu Florduardo Pinto resolveu ir?

         - Sua irmã também.

         - Vou já.

         - Então arruma logo. Você quem vai guiando o Fordinho, ouviu?

         - Eba!

         Depois de um banho para despertar bem os olhos, João Guimarães senta-se à mesa de café.

         - Cadê o pai?

         - Acabando de ajeitar os maços de flores no carro. Colheu tudo que podia no jardim e no quintal para enfeitar os túmulos da família em Cordisburgo e Curvelo. Sabe como ele é.

         - Claro.

         Pausa. Dona Francisca:

         - Não precisa se afobar. Mas, é melhor sair cedo para gente não pegar chuva na estrada. Todo finado chove, não é mesmo?

         O rapaz levanta os olhos para a janela da cozinha, caçoando:

         - Com esse carão fechado, o céu anda mesmo para lacrimejar a qualquer momento. Chuva na estrada é atoleiro certo, retarda o tempo.

         - Mesmo assim, quero ver a prima Eliza em Sete Lagoas. Fiz para ela uma forma de broa de fubá. Eliza gosta de mais da minha receita.

         - Sim, senhora.

         - Como no trecho está Araçaí, eu levo para a Geraldina também. A comadre deve estar ainda bastante inconformada com a morte do menino perto de fazer 16 anos. É o primeiro ano que visita o filho no cemitério. Só Deus quem sabe o que ela passou!

         - Qual a causa da morte, mãe?

- Desde pequeno sofria de sopro no coração. No início do ano, morreu assim de repente. O órgão parou. Ai, que pena!

- Acontece.

- Fazer o quê? Conformar.  Deus quis assim, ‘né?

- Não sei. Mas sei que cada instante em que a gente vive, pode ser o instante da morte.

- Nosso Pai Eterno sabe o que faz. Às vezes escreve certo por linhas tortas.

- Às vezes ele dá um cochilo.

- Vire essa boca para lá, Joãzito. Temos é que rezar muito. Muito, filho. Creio em Deus, Pai todo poderoso, criador do Céu e da Terra.

         Pausa. Depois de engolir o último gole de café, Joãozito fala em tom de brincadeira:

         - Mãe, a gente morre é para provar que viveu. Melhor dizendo, a gente não morre, se encanta.

         Com um risinho meio acanhado, a mãe:

- Ai, meu filho, nem sempre consigo entender bem o que fala. Mas eu compreendo. Podemos ir?

         - Guimarães Rosa levanta-se de cadeira de um pulo. Beija a testa de dona Francisco carinhosamente, enquanto ela apertava de leve um de seus braços.

- Vamos, filho. Visitar túmulos nesse dia é pagar, com efeito, um compromisso feito a nossos familiares passados, lembrar-se daqueles que o coração não esquece. Sempre foi assim, filho. É lei divina.

         - Então passa da hora de encarar a velha estradinha.  

- Sim, sim. Pegue logo suas coisas que Florduardo está que resmunga lá fora.

 

 

                *  Nota: em Belo Horizonte, o escritor João Guimarães Rosa morava  na rua Leopoldina, 415. Fordinho era cognome do automóvel Ford T.

               

**  FBN© - 2012 – FINADOS ROSEANO - Categoria: Conto/Realismo Mágico. Autor: Welington Almeida Pinto – www.fantasticorealismo.blogspot.com  Link: http://fantasticorealismo.blogspot.com.br/2012/06/blog-post_4984.html


* Ó ABRE ALAS



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Ó ABRE ALAS

Sempre gostei de Carnaval. Principalmente, os passados no interior. Em Belo Horizonte, nos velhos tempos de uma mocidade atrevida, eu não perdia um baile nos quatro dias de Momo. No PIC, o Baile das Havaianas. No Iate, do Marinheiro. No Minas, ia pelo prazer de foliar e curtir o último dia folia - era na terça-feira.
Até hoje, não tem período melhor para paquerar, arrumar paixões novas. Quase sempre fugazes e passageiras nutridas da certeza de que tudo, tudo, iria se acabar na quarta-feira. Mas, folião de sangue quente sabe aguardar pela festa de Momo do ano seguinte. Passa o resto do ano alimentando a esperança de brincar de novo com aquela moça de cabelos cacheados, o rosto enfeitado com uma máscara de Colombina e, nos lábios, um sorriso largo enquanto canta ‘vou beijar-te agora...’. Ele sabe que as músicas vão se repetir, invariavelmente, recheadas de marcinhas para quem quer dançar acompanhado.
Em Belo Horizonte, as marchas rancho. Em Recife, o frevo. Em Parintins, o boi-bumbá. No Rio, as escolas de samba. Em Salvador, o axé cantado, exaustivamente, por um monte de ‘trem-elétrico’, que arrasta foliões, beijando sem parar, durante sete dias, convidando nossa gente a não se esquecer de ser feliz. Massa humana que dança como os aborígines, escrevendo com o corpo orações aos seus deuses.
Assim caminha a humanidade, com as elizabeths taylor, rocks hudson e jaimes dean dando o tem da existência festiva. Deixe estar. Deixe estar.

* FBN© - 2013 – Ó ABRE ALAS -  Categoria: crônica. Autor: Welington Almeida Pinto. Iustr.:  https://www.youtube.com/watch?v=7eCrMNfIvfE

* FIM DE UMA HISTÓRIA DE AMOR


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  PhotoInternet

                                                         Welington Almeida Pinto

 

Suzana em tom irritado:
- Não suporto mais o seu amigo, Math. É o demônio em si.
- Putz!
- Quer saber, meu casamento foi um engodo.
- Engodo?!...
- Por que o espanto?
- Escute aqui, criatura, discussões são inevitáveis. Todo casamento tem altos e baixos..., tem lá suas briguinhas, batalha de egos. Logo passa e tudo volta como antes, vai por mim.
- Passa não. Chega!
- Dê tempo ao tempo. Nada como o tempo para aparar arestas, rusgas entre marido e mulher - afiança Mathieu numa voz serena.
- Ora, Math, nada melhor do que tempo para tornar um relacionamento amoroso cada vez mais insuportável!...
- Também.
Suzana enrijece as faces, baixa os olhos:
- Vou me separar do José Renato, não vejo outra saída.
- Pegadinha, ‘né?
- Não é não, resolvi terminar tudo de uma vez. Poxa, nada mais encaixa entre a gente!
- Nada?
- Nada. Há alguns anos nosso casamento anda por um fio, cambaleando em corda bamba.  Agora, degringolou de vez.
Mathieu muda de posição na poltrona e, de um gole, toma o resto de cerveja no copo.
- Mulher, escuta. Olhe que o Zé...
- Não quero saber mais dele. Passou da hora de tirar meu time de campo.
- Loucura de sua parte.
- Não vejo outra saída. Acabou.
- Ô, querida, viver a dois é um exercício de paciência. Tenta manter a calma, tudo se revolve.
- Resolve nada, dura além da conta. Estou sem chão dentro de minha própria casa, que fede que nem o inferno. Você não sabe. Você não tem ideia. Um nojo!...
- Difícil de acreditar no que está dizendo - solta Mathieu, deixando transparecer seu espanto.
- Não suporto mais representar diante de todos. Chegou a hora de dar um basta nessa maluquice de querer provar o meu valor a quem não merece. A ficha caiu. Agora, vou cuidar de mim.
- Caracas!
- Pena que descobri isso tão tarde. Ai, que ódio!...
- Lamento.
- Perdi bom tempo de minha vida na busca do reconhecimento de um esposo egocêntrica, grosso, insensível...
- Compreendo.
- Na verdade, Math, se não pudermos mudar as pessoas, temos que mudar a maneira de lidar com elas. Mais fácil assim.
- Talvez.
- É sim.
- Então não tem jeito, quer mesmo se separar de seu marido?
Com a expressão franzida, Suzana:
- Sim, sim. Vivo o próprio pesadelo de Kafka, abotoada por dentro e por fora, num beco sem saída. Tudo na memória, retratando. Não dá mais para segurar essa barra, tudo tem limites, não é mesmo?
- Caracas!...
- Há muito meu casamento agoniza na UTI.
O rapaz balança a cabeça, apaga a ponta do cigarro no cinzeiro sobre a mesinha no centro da sala de visitas e, num gesto de otimismo, pondera:
- Ainda torço para que sejam briguinhas domésticas. A chama do amor vai logo reacender, pode crer.
- Não se faça de ingênuo. Dessa vez é sério, quadro irreversível.
- Sem volta mesmo?
- Missão cumprida. Não tenho um átimo de dúvidas sobre o meu futuro de mulher separada.
- É.
- Na verdade, gostaria de estar apaixonada e feliz. Seu amigo não entendeu e interrompeu a saúde de nossa união. Portanto...
- É.
Pausa. Depois de refletir por um minuto, Suzana em tom filosofal:
- Culpada é a vida que respira entre o prazer e a angústia, entre a tristeza e a alegria, o ser e o não ser.  Que respira entre o amar e o não amar, entre a diferença do claro e do escuro... Incompatibilidades inconciliáveis entre coração e razão. Capiche?
- Entendo. Entendo.
- Ainda bem.
- Mude, mas comece devagar porque a direção é mais importante que a velocidade. Ensina Clarice Linspector.
- Claro, claro.
Madrugada sem ruído nenhum na Avenida Afonso Pena. Apenas o sibilo do vento fresco que invadia a sala pela janela, acariciando as flores e as folhas nos vasos.
 
 
FBN© - 2013 – FIM DE UMA HISTÓRIA DE AMOR - trecho recontextualizado capítulo  5º/V (‘Vidas Amargas’) do livro ‘Numa Noite em 68’ - Categoria: Conto/Realismo Mágico. Autor: Welington Almeida Pinto. Texto original em Portugês: http://www.wattpad.com/20727810-fim-de-uma-de-uma-hist%C3%B3ria-de-amor - Ilustr.: foto da Internet – Link.: http://fantasticorealismo.blogspot.com.br/2012/06/blog-post_1526.html

* ÂNGELA NUA. HUMANO, NATURALMENTE HUMANO.


 
*
 Welington Almeida Pinto
 
Ângela Merkel numa praia de nudismo



 



Henry toma a mão da moça nas suas e disse:

- Trouxe a ‘Isto é’ para você ler.

- Ah, eu quero.

- Publica uma matéria que vai gostar.

- Ôba!

- Marquei a página, abra.

Angélica pega a revista, rindo. Abre e se surpreende com o título.

- Nossa!

- Isso mesmo. A ‘Dama de Ferro’ faz furor.

- Vixe!... Ângela Merkel?

- Leia tudo.

Sentados um frente ao outro no Tip-Top. Na mesa do bar, forrada de verde, há uma garrafa de cerveja pela metade, dois copos quase cheios da bebida, uma travessa com ‘frango a passarinho’ e o pratinho para lixar os ossinhos e guardanapos embolados.

O rapaz, formado há quatro anos em jornalismo, tem vinte e oito anos, levemente rechonchudo, cabelos cheios e está de terno e gravata. A moça, bacharelada em psicologia o ano passado, já deve ter 25, veste jeans, cabelos longos, loiros e anelados como de anjo. Olhos docemente verdes e o sorriso com ar misterioso.

Depois de ler a reportagem, Angélica deixa escapar um gesto expressivo de horror e de repugnância. Faz uma careta e balança a cabeça, negativamente. 

- Meu Deus!... Será verdade?

O jornalista olha a amiga um instante, e depois diz:

- Anteontem foi oDia das Mentiras’. A imagem dela nua pode não passar de uma manipulação, de uma das trucagens de photoshop.

- Acha?

- Pode ser.

-‘Pegadinha’?

- Talvez. O certo é que de onde saiu ninguém sabe. Inicialmente,  seu vazamento foi atribuído ao site francês “Le Canard Enchainé” numa brincadeira de primeiro de abril.

- É?

- Até agora, a fonte dessa foto antiga da toda poderosa chanceler alemã na Internet é um mistério. As agências de notícia questionam sua autenticidade, mas também não descartam a possibilidade de ser verdadeira. Em 2008, a “Dama de Ferro” despertou furor na inauguração da ‘Ópera de Oslo’, quando desfilou com um avantajado decote.

- Lembro muito bem.

Henry olha demoradamente a amigo. E ressalva:

- Mostra que, na juventude a ‘Dama de Ferro’, era da ala das mocinhas mais liberais, que não se incomodava em mostrar sua nudez numa praia reservada.

- Achei legal essa fotografia, cara!... Naquela época era hábito na Europa uma pessoa andar nua em locais onde praticavam o nudismo. Qual o problema?

O rapaz bebe uma golada de cerveja, toma novamente a mão da mulher nas suas e afaga com carinho.

- Também gostei. Curti o desprendimento e a tranquilidade com que Ângela e suas duas amigas caminhavam pela praia. Mostra que os arroubos e os comportamentos da juventude, nem sempre se confirmam na maturidade. É isso. As experiências vão, o aprendizado fica.

Pausa. Angélica:

- Difícil imaginar o que Ângela pensava naquele momento, nuazinha saindo de um banho de mar. Pela expressão da sua fisionomia, parece que não estava arrazoando nada, divertia apenas. Parece também que, mesmo com os olhos abertos, ela não olhava para coisa alguma, apenas sorria.

- Tem razão. Tem razão.

A moça pega um pedaço de frango frito e come. Depois de tomar um pouco de cerveja, observa:

- Difícil supor uma mulher que teve seus tempos de informalidade na juventude, quando na idade adulta se torna poderosa demais, respeitada e prestigiada nos quatro cantos do planeta, não é?

- Semente boa de uma geração, claro.

- Por se tratar de uma personalidade como  Ângela Merkel nua, a foto pode muito bem ser falsa, mas se for mesmo 100% genuína não vejo nada que possa arranhar sua imagem. Nem como mulher, nem como Primeira Ministra da Alemanha – afirma da moça.

- Claro.

- De qualquer forma, o efeito negativo da divulgação representa o pensamento de parte da extrema-esquerda europeia, que veria com bons olhos o apedrejamento dos seus opositores políticos. Atitude de canalhas!...

Henry aquiesce com a cabeça, concordando.  Ela:

- Vigiar e Punir. Mecanismos de opressão e de coerção de nossa sociedade, que Foucalt dedicou importantes trabalhos em mais de 40 anos de estudos.

- Ich denke, all dies ist die politische intrige. Deve ser coisa do Berlusconi a quem vossa ousadia (de Ângela) tanto ofende, diria Camões – caçoa o rapaz.

Luciana ri e analisa:

- Quando alguém faz isso, quer dizer que tem algum peso no coração e que se sente ameaçado pela desgraça. Tem de se cuidar. De tratar.

- Um brinde ao poeta lusitano.

- Salve!...

Imediatamente o jornalista clica o copo no copo dela, percebendo que seus olhos acendiam-se numa expressão cada vez mais divertida dentro da noite.

 


*  Com 58 anos, Ângela Merkel é uma das figuras mais importantes da atualidade política internacional, muito conhecida pela sua sobriedade e intransigência. Foi eleita chanceler da Alemanha pela primeira vez em 2005, e já foi considerada por cinco vezes pela revista Forbes como a Mulher do Ano (2006, 2007, 2008, 2009 e 2012)

 

 

* FBN© - 1986 – ÂNGELA NUA. HUMANO, NATURALMENTE HUMANO -  Categoria: Conto – Gênero: Realismo Mágico - Autor: Welington Almeida Pinto – Original text: Portuguese - Iustr.:  foto Internet – Link.: http://fantasticorealismo.blogspot.com.br/2012/06/blog-post_2958.html

 



* FERNANDO PESSOA, 13 DE JUNHO. TIM-TIM!...

 *
 
Welington Almeida Pinto 
 
Fernando Pessoa



No bar. Mathieu, depois de espetar uma azeitona, pergunta:
- Quem mais gosta de ler, Suzana?
- Hummmm..., são tantos! Posso afirmar que Fernando Pessoa me faz muito bem, incorpora. Faz-me refletir, viver melhor comigo mesma.
- Sério?
- Não há quem ele não acerte o espírito pela simplicidade aparentemente fácil de seus poemas, não é mesmo?
- De fato.
- Fernando consegue manter diálogo com o nosso emocional o tempo todo. Tudo como se cada verso fosse um organismo vivo para oferecer ao leitor lentes diferente para viver o mundo de forma mais suave e doce.
- Incrível!...
- Como são incríveis os seus heterônimos. Cada um com identidade física e características psicológicas próprias. Cada um com sua biografia e estilo próprio, trabalhando a seu jeito, os substantivos, os adjetivos e os verbos como ninguém como ninguém até hoje conseguiu.
- Genial!...  Genial!... – aplaude o rapaz.
- De um crítico português, certa vez, li que os versos de Fernando constituem numa solitária multidão de uma só pessoa, dando corpo ao seu extraordinário teatro de ‘eus’ com sua criação pomposa e elegante.
- Por aí.
A mulher enternecida, conclui:
- A poesia, Math, é o silêncio que preciso para respirar. É um fascínio que não se esgota.
- Jamais.
- Drummond é outro poeta que também me diz muito, me fascina.
- Por quê?
- Carlos Drummond é também infindável, concentra tudo o que nos ocorreu até hoje.
 - É.
- Volta e meia tenho vontade revisitá-lo, motivada pela universalidade de seu conhecimento da alma humana.
- Admirável!...
- Como Pessoa, ele proporciona toques delicados em nosso interior. Em ambos é uma constante a recriação e a reinvenção, tanto do passado de cada um, quanto do passado de sua gente. Curto muito.
- Boas escolhas, menina. Fernando Pessoa e Carlos Drummond são autores iluminados, inesgotáveis. Com mente e visões universais, eles oferecem ao leitor, de forma aberta, livros que mexem com a nossa imaginação. Deles a gente lê duas, três páginas e tem no que pensar durante um mês inteiro.
- Ou mais – completa o rapaz.
Suzana dá um suspiro, enquanto sua mão procurava a de Mathieu, sorridente e enternecida.
* Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa , 13 de Junho de 1888 — Lisboa , 30 de Novembro de 1935
* FBN© - 2013 - FERNANDO PESSOA, 13 DE JUNHO. TIM-TIM!... trecho do conto OS IMORTAIS...,  de Numa Noite em 68 - Categoria: Conto – Texto original: Português - Autor: Welington Almeida Pinto. Iustr.: Internet - Link: http://numanoiteem68.blogspot.com/2011/01/32xxxii-o-sabor-do-texto-em-veredas.html