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Meio-dia. Lisboa, 14 de junho de 1918. A
moça para em frente à firma que negociava brocas e, antes de entrar, resolve
pedir uma informação a um homem que, calmamente, saia da loja:
- Por favor, pode me dar um minuto de
atenção.
- Claro. Que deseja saber?
- O senhor trabalha nessa empresa.
- Sim. Sou o correspondente comercial.
- Vim pelo anúncio. Quero me candidatar
à vaga de datilógrafa que oferece.
O homem tira o chapéu de aba e dá um sorrisinho
inquieto:
-Ah, muito bem. Coincidentemente, dessa
vez sou eu quem está cuidando das entrevistas, só que agora fechamos para o
almoço. Expediente recomeça às 13 em ponto. Pode ser?
Pausa. A moça fecha o sorriso.
- Bem, se é assim espero por aqui mesmo.
- Não vai almoçar?
- Prefiro aguardar o senhor na porta do
estabelecimento.
- Nada cômodo para uma jovem bela e
bem-educada
com cabelos e olhos castanhos!...
- Obrigada.
- Como se chama?
- Ophelia. Ophélia Queiroz.
- Ophélia?
- Sim.
- Lindo nome.
- Sou
a mais nova de oito irmãos, quatro rapazes e quatro raparigas. Chamo-me Ophélia
porque Joaquina, minha irmã 20 anos mais velha do que eu, estava a ler Hamlet na altura em que eu nasci. Filha de pais algarvios,
de Lagos, sou a miúda, caçulinha.
- Nasceu em Lagos?
- Não, senhor. Nasci mesmo em Lisboa na Rua das
Trinas. Conhece?
- De nome apenas.
- Precisa conhecer. É um lugar pitoresco, gostoso
de viver na Capital.
- Me parece ser uma moça extrovertida e
alegre, sim?
- Fui educada numa família muito aberta,
risonha. Gosto de ler, ir ao teatro e conviver com as pessoas.
- Continua no Liceu?
- Estudei Português em casa com uma
professora particular. Inglês, com uma senhora inglesa. Francês, eu me instrui
com mademoiselle Déchant, senhora
muito culta. No primeiro grau fui aluna aplicada, sempre tirando boas notas.
Depois não estudei mais, a não ser Francês e Inglês para me manter atualizada.
– O que gostaria de ter sido se tivesse
estudado mais?
– Ah, tanta coisa! Ainda penso cursar
matemática e ser professora. Em cálculo mental sou ótima. Meus professores
ficavam admirados com a minha rapidez de raciocínio. Por brincadeira, diziam
que eu não sabia, adivinhava o que eles iam perguntar.
Risos. O homem brinca:
- Pelo jeito não veio só, veio carregada
de histórias.
- Acha?
- É o que me passa.
- Bem, você ainda não me disse seu nome.
- Fernando. Fernando António Nogueira Pessoa.
- Fernando Pessoa, o poeta?
- Sim. Ele mesmo.
Ophélia suspira diante da sensação causada
pelo destino. Com a mão no peito e os olhos iluminados, confessa meigamente:
– Gosto de ler o que publica, obra densa e inventiva.
Admiro a facilidade com que lida com as palavras, dando vida e voz à vida
interior que nutrimos dentro de nós. Parabéns.
- Então tem certa queda por poesia?
- Impressiona-me a originalidade e a força da poesia. Amo.
Tenho um sobrinho poeta, Carlos Queirós, conhece?
- Sim.
- Às vezes passo horas em sua casa a
conviver com versos de outros poetas. Eles me fazem muito bem. Lá,
pessoalmente, conheci Carlos Botelho, Vitorino Nemésio, Almada
Negreiros, Olavo d'Eça Leal, Teixeira de Pascoaes, José Régio e tantos outros jovens
ligados à literatura contemporânea.
Timidamente Fernando desvia o olhar e o
assunto, convidando a senhorita:
- Bem, se quiser podemos almoçar num dos
restaurantes do Rocio. Minha convidada, aceita?
- Muito me honra e alegra.
- Então vamos a caminhar. Suculenta
refeição nos aguarda logo ali. Depois, passo-lhe as regrinhas básicas para
prestar um bom serviço à nossa companhia. Certo?
Sorridente Ophélia toma um dos braços de
Fernando Pessoa e, juntos, saem a caminho da Praça do Rocio em prosa animada,
sem fingimentos.
* FBN© 2013 * O LADO ERÓTICO E SENTIMENTAL DE FERNANDO - Categoria: Crônica/Realismo
Mágico - Autor: Welington Almeida Pinto
- Texto original em português: http://www.wattpad.com/20478465-o-lado-er%C3%B3tico-e-sentimental-de-fernando
- Ilust.: Imagens Internet – Link: http://fantasticorealismo.blogspot.com.br/2012/06/blog-post_5330.html
Obra publicada no Wattad.
Suporte literário on-line em Inglês, Português, Espanhol e Francês. Boa opção
para Você ler e curtir literatura produzida no Brasil. Leia um conto ou uma crônica com pouco mais do que
140 caracteres.
TARGES: Fernando Pessoa – Poeta - Namorada –
Datilógrafa – Largo do Rocio – Ophélia - Lisboa
(...)
“O homem tira o chapéu de aba e dá um
sorrisinho inquieto:
-Ah, muito bem. Coincidentemente, dessa
vez sou eu quem está cuidando das entrevistas, só que agora fechamos para o
almoço. Expediente recomeça às 13 em ponto. Pode ser?
Pausa. A moça fecha o sorriso.
- Bem, se é assim espero por aqui mesmo”.
(...)
“Às vezes passo
horas em sua casa a conviver com versos de outros poetas. Eles me fazem muito
bem. Lá, pessoalmente, conheci Carlos Botelho, Vitorino Nemésio, Almada
Negreiros, Olavo d'Eça Leal, Teixeira de Pascoaes, José Régio e tantos outros jovens
ligados à literatura contemporânea”.
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