*
Vereadora que foi impedida de assumir seu posto
Num
agosto ventoso de 2103, na cidade de Belo Horizonte, sentadas em torno de uma
mesa do bar Cantina do Lucas, duas estudantes de Direito tomavam cerveja
conversando amenidades uma com a outra.
-
Cris, leu A Folha de São Paulo de
hoje?
-
Não.
-
Publicou uma matéria em destaque que suponho gostar de ler.
-
Por quê?
-
Feminista você como é...
-
Conta.
-
Acredita que uma jovem vereadora no interior do Irã foi impedida de assumir o
cargo na Câmara Municipal por ser "bonita
demais".
-
Hein?
-
Isso mesmo. A matéria relata que, em recente escrutínio, com mais de 10 mil
votos foi eleita à Câmara Municipal de Qazvi a jovem Nina Siahkali Moradi, de apenas
27 anos. O resultado garantiu a ela a 14ª posição em um ranking que qualifica os treze mais votados entre 163 candidatos.
Como no Irã o primeiro colocado assume o cargo de Prefeito da cidade, Moradi
passou a integrar a lista dos vencedores. Mas, os líderes conservadores
barraram sua posse.
- Puts,
que conversa é essa, Martha?
-
Difícil de acreditar, mas é verdade.
-
Fonte segura?
-
Notícia dada, em primeira mão, pelo jornal da cidade iraniana. A reportagem narra
que seus votos foram anulados por causa de suas credenciais nada convincentes
ao comitê local de monitoramento de eleições: bonita demais.
-
Que coisa!... – surpreende-se mais ainda Cristina.
-
De fato, pela foto, é linda.
-
Num país machista até a medula dos ossos, aposto que foi a maneira encontrada
para não aceitar representação feminina no plenário da Câmara. Pegaram nesse
ponto para desqualificar a moça, pode crer.
Risos.
Martha:
-
Não queremos uma modelo desfilando na Prefeitura,
disse um clérigo local, todo cheio de si.
-
Difícil de acreditar que, em pleno século 21, isso ainda acontece. Platão deve
estar se remoendo no túmulo!
-
Deu para perceber que, no Irã, a beleza certamente não pesa na balança. Pelo
menos a da mulher que se elege para ocupar um cargo público.
-
Caramba!
-
Desde a campanha Nina enfrentou acusações de manter um comitê que atraía
comportamentos incompatíveis com valores islâmicos – explica Martha.
Depois
de tomar mais um gole de cerveja, Cristina:
-
Ai, isso é demais!...
-
A campanha de Moradi foi dirigida aos jovens, claro. Na plataforma da candidata
a promessa de lutar pelos direitos das mulheres no país, além de estimular programas
voltados à cultura geral para todas as etapas do crescimento humano,
principalmente, na criação de bibliotecas escolares.
-
Corretíssimo.
- Cris,
a política em alguns países do mundo países é também demarcada pelo Alcorão. É
o livro sagrado que dita normas e comportamentos para o povo islâmico.
- Sei
disso.
- Os
muçulmanos acreditam que o Alcorão registra as palavras de Alá (Deus) reveladas
ao profeta Maomé. Portanto, seguem à risca os mandamentos – assevera Martha.
- Arre!...
Tudo como se coisa nenhuma mudou no mundo desde a época de Maomé.
- É.
- O
pouco que sei desse livro sagrado é que ele dá os parâmetros para total
dessacralização da condição feminina. Isso tem mudar, o mundo mudou.
Martha
meneia a cabeça, concordando.
-
Como você, penso que se os ensinamentos do Alcorão, como tudo na vida, se não
são para mudar os homens, então é um livro que serve para muito pouco.
-
Certo.
-
Prova disso é que esse incidente contraria esforços do novo presidente
iraniano, Hasan Rowhani, que já conversa em
defesa de um pais mais livre e um pouco mais democrático. Tanto que teve a ousadia de nomear uma vice-presidente como
parte da promessa de promover direitos de igualdade da mulher.
Cristina
pega a garrafa de cerveja, enche os dois copos da bebida e pergunta à amiga:
- O
que é a beleza?
-
Fico com Platão. Tudo que admiramos pelos sentidos, o que julgamos pela
razão e o que sentimos com a alma fazem parte de uma consideração estética. É
assim que o gosto será utilizado para considerar e caracterizar o Belo.
- Salve Platão!... aplaude a estudante, levantando
o copo de cerveja.
- Um brinde ao gênio. Tim-Tim!... – entusiasma
Martha.
Cristina sorridente clica seu copo ao copo da
colega.
- Tim-Tim!
- A beleza é, antes de tudo, algo relativo e
subjetivo, que está relacionado ao gosto. É através do gosto que descrevemos e
dizemos se uma coisa tem beleza ou não, e também como escolhemos o que nos
agrada ou desagrada. Portanto devemos ter em mente que, qualquer conceituação
que pretendamos fazer sobre a beleza, há sempre certo grau de subjetividade por
parte de nossos gostos e afinidades. A beleza reúne imagens de assuntos
diferentes que conversam entre si, garantia o filósofo grego aos seus
discípulos.
-
Outro brinde.
- A
Platão?
- Ao encanto
incontestável de Nina Siahkali Moradi. Outro marco forte na luta que não terminou
pela emancipação da mulher no planeta. Isso é tudo.
-
Tim-Tim!
* FBN© 2013 * BELA NINA. VEREADORA DO IRÃ. - Categoria: Conto - Autor: Welington Almeida Pinto - Texto original em português:
Ilust.: Imagens Internet –
Link: http://fantasticorealismo.blogspot.com.br/2012/06/blog-post_1821.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário