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Welington Almeida Pinto
Mestres da Lei e Fariseus se reúnem
em volta de Yechshuah, levando uma mulher que havia cometido adultério.
Colocada de pé no meio de todos para também ser alvo de deboche, logo um deles diz:
- De acordo com a Lei de
Moisés, as adúlteras devem ser mortas a pedradas. Yechshuah, o que nos tem a
dizer sobre isso?
Percebendo que atrás dessa
pergunta tinha certa malícia, não responde de imediato. Passeia os olhos pelo o
grupo de machos inquietos na sua frente e, em silêncio, agacha e começa a
escrever com o dedo alguma coisa na areia.
Aflito, o acusador insiste:
- Mestre, nós estamos lhe
fazendo uma pergunta.
Nesse momento, Yechshuah
levanta-se.
- Muito bem. Querem mesmo
saber meu veredicto?
- Não se fala de outra coisa.
- Primeiro, por questão de
ética, peço-lhe que desate as mãos dessa infeliz.
- Vadia, melhor dizendo. Na
Judéia não há outra forma de lidar com delito assim.
- Então,
por favor, solte suas mãos, já que isso me provoca certo mal estar.
O clima
de expectativa aumenta entre os denunciantes. O outro provoca:
- Realista
ou otimista?
- Um
pouco dos dois – garante Yechshuah.
-
Pois então vamos ao que interessa: responda nossa pergunta.
Cada vez mais hostilizada
pelos exaltados, a vítima estremecia de medo naquele palco armado para discutir
a intolerância social entre os homens. Cabelos caídos sobre o rosto e as mãos
sobre a cabeça soluçava em seco tremia como uma porca na ponta de uma faca. Yechshuah
persevera:
- Malsim, liberte as mãos
dessa mulher.
O sujeito mais à esquerda, ainda
resistindo:
- Ora, Mestre, não vê que o
povo quer que faça valer a Lei que condena uma pecadora à morte!
Sem dizer nada, Yechshuah se
aproxima da acusada e, rapidamente, desata o nó da corda que imobilizava seus
braços.
-
Mulher, o destino às vezes nos surpreende de forma cruel. Por mim está livre
para encontrar nova razão de sua própria existência ou manter seu trabalho,
caso ainda seja esse o desejo de seu corpo. É carne. Deus perdoa.
Emocionalmente
surpresa, ela se ajoelha aos pés do benfeitor, agradecida.
- Está sendo misericordioso
comigo.
- Hipocrisia nenhuma vai
impedir-lhe de exercer o livre-arbítrio.
- Livre?
- Os outros também decidirão
por esse atalho. Pode crer.
- Então não preciso temer o apedrejamento?
- Não.
- Louvado seja, senhor!
- Qual o seu nome?
- Magdala – diz de cabeça
baixa com os longos cabelos cobrindo seu rosto encardido de sol e poeira.
- Magdala!...
- Sou-lhe eternamente grata.
Yechshuah sorri. Alonga os
braços e, com as duas mãos abertas, acaricia a cabeça da detenta.
- Antes de retomar seu
trajeto mostre o rosto a mim e a todos que lhe condenam.
De imediato Magdala ergue as
faces, retira os cabelos da frente do rosto e levanta o olhar choroso para Yechshuah.
Ele observa:
- Mesmo assim parece triste?
- Não estou triste, meu
Senhor. Um pouco temerosa, apenas.
- Fique tranquila. Nada de
mal farão a você. Já disse que daqui a pouco poderá seguir o trecho que seu
coração mandar. Abençoada seja!
Magdala dobra o rosto
novamente.
- Sou isso hoje, senhor. Amanhã, como peregrina
do caminho santo, me
reinventarei para lutar e vencer o dragão trifauce do pecado.
Creia em mim.
E
com o olhar benevolente:
- Peço-lhe
só que me mostre o caminho da verdade para que eu não me perca nunca dos seus
passos. Tenha em mim uma serva para cumprir seus desejos. Louvado seja.
- Pois
então, embora seu espírito esteja doendo, ponha em seus lábios um sorriso. Mais
triste do que o sorriso triste é a tristeza de quem não sabe sorrir.
Nesse momento o clima fica mais
tenso entre os acusadores. Começam a dar risadas e a olhar demoradamente um
para o outro, sem falar nada. Yechshuah percebe a agitação e lança um olhar
rígido em direção a eles, abre os braços e atenta em voz firme:
- Calma, meu povo. Calma. Dando-me
faculdade de decidir sobre o
comportamento
dessa mulher, por sobre quem caiu a praga, acabo por oferecer-lhe meu perdão. Espero
que assim atue o coração dos homens presentes nesse ato, compreendendo todos que
a humanidade deve caminhar nesse rumo.
Houve um princípio de protesto.
O delator interfere com veemência:
- Tomou essa deliberação,
estribado em que justificativas?
- Na
Bíblia hebraica, Raquel, a segunda esposa de Jacó, por ser estéril representava
uma vergonha para a família do patriarca, mas foi escolhida pelo Misericordioso
de Israel para ser a Mater Misericordiae
do judaísmo.
E
depois de uma longa pausa, Yechshuah apregoa em tom ativo:
- Aquele
dentre vós que estiver sem pecado, que atire a primeira pedra em Magdala.
Ouvindo
isso, todos foram para casa, a começar pelos mais velhos. Em seguida, Magda se
manifesta:
- Parto,
senhor, fazendo de meu espírito lâmpada do meu destino. Até qualquer dia, me
aguarde – despede-se a moça com um sorriso tímido nos lábios.
Yechshuah
olha para a mulher com ternura, dizendo:
-
Vejo em Magdala o rosto jovem de Maria, minha apreciada mãe. ללכת עם
אלוהים.
O céu permanecia limpo com
clarões no horizonte.
* Essa é uma passagem do mundo bíblico, ocorrida há
dois mil anos. Mostra que Jesus era um filósofo hebreu distante dos filósofos
gregos. No mundo bíblico o modo de busca da verdade é interno e moral,
diferente da filosofia grega que é externo e político.
** A busca por evidências de que histórias relatadas
na Bíblia realmente aconteceram, fascina
pesquisadores sérios no universo da historiografia. Um deles é a arqueóloga
Eliat Mazar, da universidade Hebraica de Jerusalém.
FBN© 2013 *Yechshuah - Categoria: Crônica
estendida/Realismo Mágico - Autor:
Welington Almeida Pinto - Texto original
em português: Ilust.: Imagens Internet – Link: http://fantasticorealismo.blogspot.com.br/2012/06/blog-post_7946.html
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